segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Imunidade tributária e Maçonaria

Conforme já comentado em aula, segue a decisao do STF sobre IMUNIDADE TRIBUTARIA e MAÇONARIA:

18►RE 562351/RS: ART. 150, VI, B E C, DA CF: MAÇONARIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: RELATOR: Min. Ricardo Lewandowski: Relatório: Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão que não reconheceu ao recorrente, Grande Oriente do Rio Grande do Sul, a imunidade prevista no art. 150, VI, b e c, da Constituição Federal. Na origem, o ora recorrente ajuizou embargos à execução fiscal buscando afastar a cobrança do IPTU pelo município de Porto Alegre. O pedido foi julgado improcedente. Irresignado, interpôs recurso de apelação que restou desprovido em acórdão assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IPTU. MAÇONARIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ISENÇÃO NÃO CARACTERIZADAS.
Descabe o reconhecimento da imunidade tributária à Maçonaria, na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no art. 150, VI, alíneas b e c, da Constituição Federal. Descabe enquadrá-la como instituição de educação ou assistência social, na medida em que estas desenvolvem uma atividade básica que, a princípio, deveria ser cumprida pelo Estado, o que não é o caso da Maçonaria. Da mesma forma, não se pode admitir seja a Maçonaria um culto na acepção técnica do termo. Trata-se de uma associação fechada, não aberta ao público em geral e que não tem e nem professa qualquer religião, não se podendo afirmar que seus prédios sejam templos para o exercício de qualquer culto. Trata-se de uma confraria que, antes de mais nada, professa uma filosofia de vida, na busca do que ela mesmo denomina de aperfeiçoamento moral, intelectual e social do Homem e da Humanidade. Daí porque, não incidentes, à espécie, as hipóteses previstas no art. 150, VI, b e c, da CF.
Incabível, ainda, o pedido de isenção, não tendo a embargante atendido aos requisitos contidos na Lei que concedeu a benesse.
APELAÇÃO NÃO PROVIDA (fl. 108).

Quanto à imunidade prevista no art. 150, VI, c, concluiu o aresto impugnado que:

De entidade assistencial ou educacional não há falar.
A Maçonaria (...) é uma associação fechada, não aberta a qualquer um que dela queira participar, a não ser submetido a um procedimento prévio de apresentação do profano por um maçom, cuja admissão e iniciação depende da verificação de condições e requisitos essenciais estabelecidos pelo denominado Regulamento Geral. Só podem ser admitidas pessoas do sexo masculino, maiores de 21 anos, e através de escrutínio secreto por parte de todos os maçons presentes, forma unânime. Em termos de assistência, esta fica restrita às viúvas, irmãs solteiras, ascendentes e descendentes necessitadas de justo auxílio dos irmãos. O que é justo auxílio, só os maçons podem deliberar.
Com efeito, não há como considerar tal associação dentre aquelas referidas na alínea c, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal. Embora sem fins lucrativos, por certo não se trata de instituição de assistência social ou educacional.

No que diz respeito ao art. 150, VI, b, assentou:

Ora, não há falar em culto na acepção técnica do termo, como quis a Carta Política. A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a ideia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma profissão honesta) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem.

Contra essa decisão foi interposto este RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição Federal, no qual o recorrente alega violação do art. 150, VI, b e c, da mesma Carta.
E sustenta, ainda, que

não se pode instituir tributo sobre imóveis que abrigam templos de qualquer culto e/ou sobre o patrimônio de entidades que pratiquem a assistência social, observados os requisitos da lei, no caso aqueles indicados no artigo 14, incisos, I a II e § 2º, do Código Tributário Nacional.
Entende o recorrente que esses requisitos foram integralmente comprovados nos termos da petição de fls. 61/62; primeiro, porque não foram impugnados pelo Embargado; segundo, porque o Embargante se propôs a fazer a prova; terceiro, porque o Juízo aceitou, nos termos do disposto no artigo 302, segunda parte, do CPC, a veracidade do alegado (fl. 176).

Asseverou, também, que

a maçonaria é, sim, uma instituição filantrópica. Está assim no preâmbulo do Ato Constitutivo do GORGS (fls. 15, dos autos em execução em apenso), e, pode-se afirmar, de quase todas, se não as Potências maçônicas do Mundo (fl. 185).

Sustentou, ademais, que

há dentro da própria maçonaria controvérsia quanto o ser ou não ela religião. Tem-se por majoritária, quase unânime o de não sê-lo na acepção mais conhecida. Como concluiu o eminente relator de modo simples. Seria de dizer que a maçonaria é a religião das religiões, pois vai além de exigir de quem nela é admitida a crença em Deus, O Grande Arquiteto do Universo (GADU), expressão hoje também já do domínio público, pois estimula no maçom o desenvolvimento da religiosidade. Cada maçom deve ter as suas próprias convicções religiosas.
(...)
A bibliografia maçônica é vasta em todo o mundo. Seu estudo mostrará que a maçonaria, na noite dos tempos mais remotos ou mais próximos, sempre esteve atrelada às religiões, desde a Mesopotâmia, às religiões egípcias, aos Templários, aos Mosteiros que abrigavam os monges construtores, às associações de construtores de catedrais (guildas) (fls. 188-189).

Concluiu, assim, que os templos maçônicos e/ou lojas maçônicas se incluem no conceito de templos de qualquer culto para fins do art. 150, VI, b, da Constituição Federal.
O recorrido, em contrarrazões, manifestou-se pelo não conhecimento do recurso e, caso conhecido, por seu desprovimento, sob o argumento de que o pedido

não se enquadra em nenhuma das hipóteses do art. 150, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil. Maçonaria não é religião, não é culto, não é instituição de educação ou de assistência social.
(...)
Ademais, a parte embargante-recorrente não atende aos comandos editados pelos arts. 9º e 14 do CTN, combinados com o art. 146, II, da CRFB.

A Procuradoria-Geral da República opinou pelo conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, por seu provimento (fls. 258-263), lavrando a seguinte ementa:

RE. MAÇONARIA. IMUNIDADE DE IPTU. TEMPLO E CULTO. IMPLICAÇÕES.
1. Mesmo que não se reconheça à Maçonaria (Grande Oriente do Rio Grande do Sul) como religião, não é menos verdade que seus prédios são verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz universal.
2. Seus Templos têm direito à imunidade de tributos, consoante o art. 150, inc. VI, letra b, da Constituição Federal (fl. 258).

É o relatório.

Voto: Inicialmente assento que o apelo extraordinário não merece conhecimento quanto ao art. 150, VI, c, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei (grifei).

Vale recordar, a propósito, que o Min. Maurício Corrêa, em voto proferido no RE 202.700/DF, julgado pelo Plenário deste Tribunal, em 8/11/2001, ao interpretar o aludido dispositivo em relação às entidades de assistência social sem fins lucrativos, consignou que

(...) o reconhecimento desse direito está condicionado à observância dos preceitos contidos nos incisos I a III do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Resulta desse modo que o favor constitucional não é absoluto e o seu deferimento, mesmo em face dos objetivos institucionais da entidade, previstos em seus atos constitutivos (CTN, artigo 14, § 2º), poderá ser suspenso quando não cumpridas as disposições legais (CTN, artigo 14, § 1º).

Diante do entendimento acima adotado, segue-se que a exigência do cumprimento dos requisitos do art. 14 do CTN constitui conditio sine qua non para o gozo da imunidade tributária outorgada pela Constituição.
Assim, para se chegar à conclusão de o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos.
Incide, nesse aspecto, a Súmula 279 do STF, segundo a qual, para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.
Nesse sentido, menciono os seguintes precedentes, entre outros: AI 673.173-AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau; AI 461.817-AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 423.464-AgR/DF; Rel. Min. Cezar Peluso; AI 559.488-AgR/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia.
Remanesce o extraordinário, contudo, quanto ao art. 150, VI, b, da Carta Federativa, verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de qualquer culto (grifos nossos).

A questão central está, então, em saber se a referência a templos de qualquer culto alcança a maçonaria.
Segundo ensina Sacha Calmon Navarro Coelho

Templo, do latim templum, é o lugar destinado ao culto. Em Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos augures, sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses, nessa tentativa de todas as religiões de religar o homem e sua finitude ao absoluto, a Deus. Hoje, os templos de todas as religiões são comumente edifícios. (...)
Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil, o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar (...).
O templo, dada a isonomia de todas as religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana. Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado exclusivamente ao culto da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade tributária (grifei).

Já Roque Antonio Carraza afirma que

Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja.

(...)

É fácil percebermos que esta alínea b visa a assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem, nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos (grifos nossos).

No julgamento do RE 578.562/BA, o Min. Eros Grau assentou que

O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a limitação ao poder de tributar, que a imunidade do artigo 150, VI, b, contempla, há de ser amplamente considerada, de sorte a ter-se como cultos distintas expressões de crença espiritual.

Vale destacar também o quanto concluiu o Min. Ayres Britto naquele julgamento:

tendo a interpretar a regra constitucional da imunidade sobre os templos de qualquer culto como uma espécie de densificação ou de concreção do inciso VI do art. 5º da mesma Constituição, cuja dicção é esta:
ART. 5º.
(...)
VI- é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias;(...)
Uma coisa, portanto, puxando a outra.

Verifico, assim, que referido dispositivo (art. 5º, VI, da Constituição Federal) é expresso em assegurar o livre exercício dos cultos religiosos. E uma das formas que o Estado estabeleceu para não criar embaraços à prática religiosa foi outorgar imunidade aos templos onde se realizem os respectivos cultos.
Nesse sentido, estamos a falar em imunidade tributária com o intuito de não criar embaraços à liberdade de crença religiosa.
Por isso mesmo, grifei, nas citações doutrinárias e na jurisprudência mencionadas, a referência a que sempre se faz à religião, quando se aborda a imunidade estabelecida no art. 150, VI, b, do Texto Constitucional.
E qual a razão de a liberdade de consciência não ter sido beneficiada por tal imunidade tributária?
Nas lições do já citado professor Carrazza, citado inclusive pelo recorrente para fundamentar sua pretensão:

A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação entre Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República.
Sabemos que, durante o Império, tínhamos uma religião oficial: a religião católica apostólica romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia especial proteção do Estado.
(...)
Muito bem, com a proclamação da República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico. Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que majoritária), para tolerar todas elas.
Evidentemente, o Estado tolera todas as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em contrário, a ser produzida pelo Poder Público.
Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita (grifei).

Ora, em que pese o brilhantismo do raciocínio desenvolvido pelo eminente tributarista, entendo que a conclusão a que ele chega não pode prevalecer.
Isso porque, assim como o fazem muitos outros doutrinadores, entendo que a interpretação do referido dispositivo deve ser restritiva, atendendo às razões de sua cogitação original.
As liberdades, como é sabido, devem ser interpretadas de forma extensiva, para que o Estado não crie qualquer óbice à manifestação de consciência, como é o caso sob exame, porém, às imunidades deve ser dado tratamento diametralmente oposto, ou seja, restritivo.
Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade tributária aos templos de qualquer culto, este benefício fiscal está circunscrito aos cultos religiosos.
Corroborando, ainda, tal raciocínio, trago à colação o esclarecimento, colhido do sítio eletrônico da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, quanto à natureza das atividades que ela desenvolve:

A Maçonaria é uma Ordem Iniciática mundial. É apresentada como uma comunidade fraternal hierarquizada, constituída de homens que se consideram e se tratam como irmãos, livremente aceitos pelo voto e unidos em pequenos grupos, denominados Lojas ou Oficinas, para cumprirem missão a serviço de um ideal. Não é religião com teologia, mas adota templos onde desenvolve conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando feições a diferentes ritos. Esses visam despertar no Maçom o desejo de penetrar no significado profundo dos símbolos e das alegorias, de modo que os pensamentos velados neles contidos, sejam decifrados e elaborados. Fomenta sentimentos de tolerância, de caridade e de amor fraterno. Como associação privada e discreta ensina a busca da Verdade e da Justiça (grifos meus).

Verifico, então, que a própria entidade declara enfaticamente não ser uma religião e, por tal razão, parece-me irretocável a decisão a quo, a qual, quanto ao tema consignou:

A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se mutuamente, aceitando e pregando a idéia de que o Homem e a Humanidade são passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que, antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres (não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma profissão honesta) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da Ordem.

Por essas razões, conheço parcialmente do recurso extraordinário e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É como voto.

* acórdão pendente de publicação

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